Uma Experiência de Convivência, Paciência e Descobertas
Recentemente, embarquei numa aventura que mudou minha forma de ver as viagens em família, e gostaria de compartilhar aqui essa minha experiência pessoal.
Tenho meus filhos espalhados por 3 continentes: o mais velho mora na Europa, em Portugal, o filho mais novo mora na América do Norte, no Canadá, e a filha do meio na Austrália!
Como fazer para manter a família minimamente unida? Como visitar os filhos? Aliás, viagens (principalmente par idosos que ainda sentem alegria interior e gostam de se manter ativos), não precisa exatamente ter esses motivos, como por exemplo visitar a família…
Bem… Como já vivi muitos anos em Portugal, viajar para lá não é um bicho de 7 cabeças para mim. Para o Canadá, ultimamente também se tornou uma viagem fácil, ainda mais considerando que há voos diretos, nada de ficar perdida em aeroportos, procurando o caminho para a conexão.
Mas para a Austrália… aí a coisa mudava de figura.
Por uma grata coincidência, providenciada pelo destino, meus filhos (o do Canadá e a da Austrália) conseguiram férias na mesma época. O meu caçula estava doidinho de vontade de ir visitar a irmã, pois nos últimos anos acho que todos nós ainda estávamos vivendo as sequelas da pandemia…pois não nos vimos por, no mínimo, 3 anos!!
Aos 75 anos, (e achando que seria uma das minhas últimas chances, senão a última!!) pensei que seria uma oportunidade única de ir visitar minha filha, tendo alguém por companhia!!
Viajando acompanhada, eu eliminaria alguns desafios. O primeiro, era me ajudar a enfrentar a viagem em si, que era muito longa (e para ser honesta, eu não AMO viajar de avião. Podem tentar me confortar e me convencer, o fato é que viajo sempre com medo). O segundo desafio, é que viagens longas envolvem conexões, em aeroportos de grande porte (o que é sempre uma excelente oportunidade para você se perder!!!) Assim, viajar acompanhada pelo meu filho resolvia também esse problema. A barreira da língua era outro entrave, pois quando estamos sozinhos e entramos em pânico, esquecemos até o português! Imagine entender outra língua, no sufoco de ver que está na hora do embarque e você não sabe onde está!! Desse desafio também estava livre, já que meus filhos são fluentes no inglês.
Restava apenas o terceiro desafio, e talvez de maior dificuldade de superação: eu, idosa, acompanhar o pique dos meus 2 filhos!
Eu já tinha vivido uma situação parecida em uma viagem anterior, em que nós 3 nos reunimos no Canadá, em 2024, quando minha filha e o irmão se viram pela primeira vez, desde o início da pandemia. Após cinco anos sem se verem, felizes pela liberdade de viajar sem restrições, a alegria de nos juntarmos todos, ávidos por férias… bem… nessa euforia toda, planejaram vários passeios, o que incluía uma visita de 4 dias a Nova Iorque. Sedentária como sempre fui, entrei no ritmo deles, enquanto eu aguentei… caminhadas de 12 a 14 mil passos por dia, sol escaldante, mochila incomodando nas costas, falta de regularidade nos horários das refeições… cheguei a um ponto que era preciso ser arrastada para os passeios e eu ficava remoendo minhas ideias, buscando uma desculpa para não ir. Mas depois ficava com pena, ao ver a alegria deles, afinal as férias seriam curtas, não chegavam a 1 mês, logo minha filha ia voltar para a Austrália, eu ia ficar sem vê-la sabe-se lá por quanto tempo… e lá ia eu me arrastando. Comprei vários calçados diferentes, para ver se algum deles faria um milagre, mas não teve jeito…
Quando surgiu essa oportunidade de ir para a Austrália, meu filho já entrou em delírio! Ele é um viajante entusiasmado, que quer ver de tudo, conhecer de tudo, visitar tudo! Minha filha tem uma energia inesgotável, que começa às 7 da manhã, quando ela pula da cama, e só acaba às 11 da noite, quando ela literalmente desliga e cai para o lado.
Aí eu pensei… ok, minha oportunidade de ouro de revisitar a Austrália, que eu mal conhecera quando fui com o meu marido, décadas antes! Oportunidade de ouro de estar novamente com esses meus 2 filhos juntos! Férias em família! MAS… o trauma da viagem para Nova Iorque pulou na minha frente, com um enorme alerta laranja!!! Um mês com eles em viagem, com o roteiro que estava se desenhando, de cruzar a Austrália de norte a sul, 4.000 km !!! não era nem de longe os 4 dias que passamos em Nova Iorque, e que quase deram cabo de mim!
Alerta vermelho!!!
Daí, a ideia que havia me deixado empolgada, começou a me preocupar. Eu queria muito viver essa experiência, mas eu já sabia o que era acompanhar o ritmo deles! E comecei a pensar se haveria uma solução, um meio termo, em que eles pudessem respeitar o meu tempo, sem se sentirem limitados.
No entanto, foi exatamente essa mistura de gerações, ritmos e necessidades que tornou a viagem desafiadora, mas também incrivelmente enriquecedora. Neste artigo, então, quero compartilhar as principais dificuldades que enfrentamos e, mais importante, as soluções que encontramos juntos. Espero que minha experiência possa servir de inspiração tanto para idosos quanto para os jovens que os acompanham.
Entendendo as Diferenças: O Primeiro Passo
A primeira dificuldade surgiu ainda no planejamento.
Eles – estavam empolgados com a ideia de, dentro de um roteiro já imenso, de mais de 4.000 km, fazer roteiros intensos, com caminhadas, descobertas, museus, zoos, vários deslocamentos diários…e viagens para ilhas!!! Queriam ver a chegada dos pinguins no começo da noite numa ilha, ver as areias mais brancas do mundo em outra ilha! Escolheram umas 3 excursões de barco!
Eu – Por outro lado, devo confessar que tenho 10 vezes mais medo de viajar de barco, do que de avião. Então já podem fazer uma ideia… Também, não daria conta dessa maratona, precisava de pausas, de tempo para descansar e de um ritmo mais tranquilo, e fugir, não só das viagens de barco, mas também das viagens curtas de avião, que são sempre feitas por aqueles teco-teco, em que eu não entro, nem morta!!!
Termos uma conversa franca e promessas de ambos os lados foi fundamental. Eu expus minhas preocupações sem drama, e eles ouviram com carinho e respeito, ainda mais que todos tínhamos frescos na memória o passeio por Nova Iorque, em que no final eu já quase não conseguia andar. Ficamos então todos de acordo que o objetivo era que todos aproveitassem, sem ninguém se sentir sobrecarregado ou “arrastado”. E a promessa deles de que, quando eu dissesse: “hoje preciso ficar no hotel”, ou “nesse passeio eu não vou”, eles não fariam chantagem emocional, tentando me convencer a ir com eles.
Solução: dividimos o roteiro em dois blocos — atividades que faríamos juntos e atividades em que iriam só eles, e eu aproveitaria para descansar ou fazer algo mais tranquilo. Na maioria das vezes fazíamos programas em grupo, claro! (como visitas a pontos turísticos, almoços, visitas a shoppings, museus, zoológicos, teatro) e em algumas vezes nós nos dividíamos: eles iam visitar lugares que envolviam caminhadas muito longas, ou pegavam barcos para visitas às ilhas, e eu aproveitava para descansar, ou até ficar no hotel preparando um jantar para quando eles voltassem do passeio. Cada um fazia o que era melhor para si, dando liberdade ao outro para aproveitar da melhor forma.


Quanto à viagem em si, que envolvia sair de Brisbane e ir até Airlie Beach (1.200 km) e depois descer tudo até Melbourne, passando por Sidney, (mais 2800 km), eu bati o pé e disse que só iria de trem. Teco-teco não! E assim foi. Uma viagem – embora cansativa – maravilhosa!


O Ritmo: Aprendendo a Acompanhar sem Prejudicar
Os jovens caminham rápido, falam rápido, decidem rápido. Isso pode ser exaustivo para uma pessoa da minha idade. Já no primeiro dia em que chegamos à Austrália, meu filho e eu, indo da estação de trem para o hotel, vi-me completamente ofegante no meio do caminho, puxando a minha mala rua acima. Meu filho se virou e percebeu meu cansaço. Ele parou, pegou a minha mala (sob os meus protestos) e lá foi ladeira acima, empurrando as duas malas: a minha e a dele. Sorrindo, ele disse que até equilibrava o peso dos dois lados, era como se ele estivesse, como faz quase todos os dias, na academia— foi com tanta naturalidade e carinho, que não me fez sentir diminuída.
Naquele momento, percebi que a viagem seria também uma lição de convivência. E que, se eu respeitasse meus limites e os sonhos deles e eles respeitassem o meu ritmo, tudo daria certo.
Solução: saíamos sempre com os celulares carregados, e eu usava o Waze ou o Maps, o que permitia que, quando eu decidisse não acompanhar determinado passeio, eu pudesse voltar com segurança para o hotel ou para algum café, enquanto eles continuavam. Às vezes, meu filho e eu íamos de Uber, para me poupar, ao sair para encontrar com a minha filha, que já tinha pulado da cama e se adiantara no passeio. Liberdade total, mesmo entre eles. O importante é que todos estavam tranquilos, cada um respeitando a maneira de ser do outro, e em comunicação constante.
Se você não sabe usar o Waze ou o Maps, precisa aprender. Ninguém merece se perder… e com a localização em tempo real, todos ficam seguros. (Procure neste nosso blog a aba “ Lidando com a tecnologia”, temos artigos que ensinam tudo sobre o Waze e o Maps)
Conforto Físico e Mental: Itens Indispensáveis
Uma viagem longa pode ser cansativa até para os mais jovens — imagine para quem já passou dos 70! Cadeiras desconfortáveis, uso constante de transportes públicos, banheiros longe, ladeiras, calçadas irregulares, escadas… todos esses detalhes que os jovens nem percebem, para os idosos são grandes obstáculos.
Solução: levei um par de tênis muito confortável e seguro, e roupas leves. Se você já tem mais dificuldade, talvez levar uma bengala dobrável pode ser uma boa ideia, para servir de apoio para quando ficar em pé por muito tempo.
Como estávamos em uma viagem longa, de hotel em hotel e nunca voltando ao mesmo ponto, tínhamos de levar toda a nossa bagagem, o tempo todo. As malas eram pesadas, com roupas para frio e calor, pois íamos pegar 30 e poucos graus no norte e entre 14 e 16 graus em Melbourne.
Outra dificuldade: nos aviões podemos carregar até 23kg por mala, certo? Parece que as malas já vêm concebida para esses 23kg e a nossa cabeça já está formatada para esse peso também (rsrsrsrs) Mas, nos trens da Austrália o peso máximo permitido é de 20kg. Muito difícil, parece pouco, ainda mais que a gente vai comprando coisas pelo caminho. Conclusão, a mochila é que “paga o pato” e fica a cada dia mais pesada. Meu filho então carregava a minha mala e mochila, que eram as mais pesadas, minha filha levava as coisas do irmão e eu levava as dela, que eram mais leves (já que ela mora na Austrália e pôde passar em casa no meio do roteiro). Um excelente exercício de cooperação! Também aprendemos, juntos, a dar preferência a lugares com elevador e acesso facilitado, procurar hotéis mais próximos aos pontos que queríamos visitar. Outra coisa: organização é fundamental! Se você toma medicamentos diários, como eu, lembre-se de levar quantidade suficiente para a viagem toda, e mais alguma reserva e, ainda melhor, organizados em uma caixinha por dia, para evitar esquecimentos e imprevistos.
Quer mais uma dica? Não leve malas grandes. Por experiência própria, eu acabo usando sempre de 60 a 70% das coisas que eu levo. E, numa viagem grande, carregar malas pesadas não é uma boa, ainda mais se você vai sempre utilizar transportes públicos (nenhum de nós se atreveu a dirigir carros com volante do lado direito na Austrália! Você arrisca?!?!) Existe meio que uma regrinha para malas, a do 5-4-3-2-1 : 5 peças de cima, (blusas, camisas, camisetas), 4 peças de baixo (saias, calças), 3 calçados, 2 peças de roupas para aquecer (casaco, jaqueta) e 1 acessório (bolsa, por exemplo). Com esses itens, que possam ser combinados entre si, você fica com uma boa diversidade de looks. Considerando que lavanderias existem por toda a parte, não há necessidade de carregar o guarda-roupa nas viagens.
Respeito e Liberdade: O Equilíbrio Essencial
Talvez o maior desafio tenha sido manter o equilíbrio entre minha liberdade e a deles. Eu não queria ser um “peso”, mas também não queria ser esquecida num canto enquanto todos se divertiam. O segredo, percebi, estava no respeito mútuo. Houve momentos em que eles abriram mão de alguma coisa para ficarem comigo em uma atividade mais calma, e houve dias em que eu me forcei a acompanhá-los, mesmo sabendo que seria mais “puxado”.
Solução: criamos uma espécie de “diálogo aberto” diário. Todas as noites, conversávamos sobre o que cada um queria fazer no dia seguinte. Eles sempre tiveram a gentileza de tentar me convencer a acompanhá-los em atividades que sabiam que não eram muito a minha praia, sem ficarem chateados quando a tentativa não dava certo; todas as vezes que eles planejaram viagens de barco para as ilhas eu ficava na praia ou na piscina, e voltava tranquilamente para o hotel quando queria. Nenhuma das partes se sentia cobrada ou excluída.


Pequenos Gestos que Fazem a Diferença
Foram muitos os momentos que me emocionaram. O cuidado de carregarem as minhas coisas, de procurarem passeios que sabiam que eu gostaria, me oferecerem uma parada para descanso e elogiarem muito a minha comida, quando eu ficava no hotel (geralmente um apartamento alugado, com cozinha).

Seria maravilhoso, se você, jovem, que tem um idoso em sua família, não o excluisse das viagens, e que se lembrasse de oferecer uma cadeira, de dar o braço durante as caminhadas, de explicar como funciona o Wi-Fi do hotel ou de ensiná-lo a usar o Google Maps. E também o inclua nas conversas, dando espaço para que seu idoso possa contar histórias antigas, dar conselhos e, mais importante, escutá-lo.
A troca será mútua. Os idosos podem oferecer experiência e paciência, e em troca recebe alegria, energia e atualizações sobre o mundo moderno.
Conclusão: Uma Experiência que Recomendo
Viajar com pessoas de gerações diferentes exige empatia, diálogo e flexibilidade. Não é fácil, mas é extremamente recompensador. Eu voltei dessa viagem não apenas com fotos lindas e boas lembranças, mas com a certeza de que o convívio entre jovens e idosos pode ser leve, divertido e cheio de aprendizados.
Aos idosos que me leem, não tenham medo de dizer “sim” para aventuras com os mais jovens — preparem-se, adaptem-se, comuniquem-se, e vocês vão se surpreender com o quanto ainda podem aproveitar. Muitas coisas que já não temos coragem de encarar sozinhos, na companhia dos jovens nós ganhamos confiança e nos atrevemos.
Aos jovens, escutem, observem e tenham paciência. Vocês não estão apenas viajando com alguém mais velho — estão tendo a chance de aprender com alguém que viu o mundo mudar diante dos olhos. Estão tendo a chance de recompensar alguém que com certeza já se doou muito para a família, e dar-lhes essa alegria pode ser uma oportunidade que talvez não volte a acontecer. Essa viagem me mostrou que a idade pode mudar o ritmo, mas nunca o espírito. E que o carinho e o respeito entre gerações são o melhor passaporte para uma viagem inesquecível.